segunda-feira, 23 de julho de 2012

Prostitutas recebem orientação de Porto Alegre

Distribuir preservativos e falar em prevenção é apenas um dos objetivos. Quando a equipe da Organização Não-Governamental (ONG) Vale a Vida sai em direção a praças, esquinas, hotéis, uisquerias, boates e casas de massagem, a proposta é bem mais ousada. Em cada abordagem, a idéia é encurtar distâncias e se aproximar da realidade dos profissionais do sexo. A secretária executiva do Núcleo de Estudos da Prostituição (NEP), Carmem Lúcia Paz, veio de Porto Alegre para reforçar o trabalho, que na capital já deu resultados.
Em 1989, quando fundado, o NEP tinha uma prioridade: liquidar com a violência que todas as noites aterrorizava as mulheres prostitutas. Parece até deboche. Mas as que eram assaltadas saíam no lucro - e não no prejuízo. Espancamento, estupro e até choques na vagina chegaram a ser registrados. Alguns casos com o envolvimento de policiais. "Criamos coragem, denunciamos e conseguimos que um deles inclusive fosse retirado da corporação da Brigada Militar", conta Lúcia, prostituta há 23 anos e socióloga há quatro.
Era o início de uma atuação que ganha credibilidade e prêmios, como o dos Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, concedido em 1999 pela Unesco. Se existe um segredo para o sucesso da ONG, enfatiza a secretária executiva, foi ter atacado a raiz do problema. Longe dos crimes cruéis de que eram vítimas, as mulheres ficaram abertas a receber outras mensagens que o NEP também se propõe a lançar. "Criamos o vínculo, que era o mais importante para poder falar de temas como preconceito, estigma e prevenção", explica.
Hoje as cerca de cinco mil profissionais que fazem programas em Porto Alegre têm um referencial de aconselhamento jurídico e psicológico e são estimuladas a romper barreiras. É preciso que vivam o mundo da sua cidade. Não é possível que o olhar de julgamento da população restrinja a vida das prostitutas ao círculo casa-batalha. São cidadãs, têm família e merecem respeito.
EM PELOTAS
Aos 57 anos, Marina (como pediu para ser identificada) é um dos principais canais de comunicação entre o Vale a Vida e os profissionais do sexo. Desde 2001 a ONG - antes dirigida apenas a portadores do vírus HIV e Aids - decidiu realizar trabalho de prevenção com prostitutas e travestis e passou a ir a campo para estreitar relações. Já são cerca de 300 pessoas e 20 locais cadastrados.
Na praça Coronel Pedro Osório, Marina contribui no leva-e-traz de informações e na distribuição de preservativos às colegas. A torcida é que com o tempo mais Marinas engrossem o processo de conscientização, que não quer parar no uso de camisinha. "É um absurdo que elas batalhem pra gigolô, que tira tudo delas e, às vezes, ainda bate", irrita-se a líder. Casos em que prostitutas foram agredidas com chicotadas já chegaram ao Vale a Vida, que aproveita oportunidades como a da semana passada para seguir os passos do NEP. "É preciso que esses profissionais saibam que não estão respondendo a mais um questionário, que nunca trará resultados", lembra a psicóloga da ONG, Sônia Cabral.
Marina está convicta. "Me sinto outra pessoa desde que entrei para o Vale a Vida", resume a prostituta há 18 anos. Quer dar seguimento aos estudos, fará as provas do supletivo da 5ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) e reúne forças para criar o neto nascido há menos de um mês; a nora faleceu no parto. "Enquanto estiver viva, vou lutar pelos meus oito filhos e 15 netos", reforça. "Não tenho vergonha de nada."
Michele Ferreira (Diário Popular, 10/05/2005)

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