terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Erotismo ou Pornografia


Erotismo ou pornografia?
Etimologicamente, erotismo deriva de Eros, o deus do amor; pornografia deriva da palavra porno, que designa a prostituta. São realidades qualitativamente diversas.

Segundo os erotólogos modernos, o erotismo é a espiritualização da carne e sua conversão em cultura. Isso distingue a literatura erótica da pornografia vulgar.

No meramente obsceno, a carne permanece tristemente encerrada em sua imanência; a pornografia é o signo objetivo do fracasso em transcender essa imanência.

Ao contrário, a transcendência é a dimensão natural da literatura erótica.


Miller, Lawrence e Mailer - três versões
O modo de auto-sublimação da sexualidade, típico da literatura erótica, é capaz de iluminar, de trazer ao nível da consciência e do domínio da razão as realidades mais ocultas e secretas de nossa vida instintiva. O exercício e a divulgação da literatura erótica aparecem, assim, como um instrumento de promoção de saúde social. É inegável o efeito salutar da literatura de autores como D. H. Lawrence e Henry Miller.

Em The World of Sex, Miller cita o pensamento de Lawrence de que existem dois grandes modos de viver, o religioso e o sexual, ambos legítimos e belos, embora o primeiro tenha precedência sobre o segundo. "Eu sempre pensei", responde Miller, "que só há um caminho, o caminho da verdade..." Mas ele reparte com Lawrence a crença de que o valor maior que pode ser colocado em oposição à esterilidade de uma época mecanizada e desumana, é a vida natural e a plenitude do instinto. Esse rousseuanismo é mais radical nele do que em Lawrence. É menos romântico também. Em Trópico de Câncer, por exemplo, não sofre de certas idealizações ingênuas que podem ser encontradas no Amante de Lady Chatterley.

Lawrence, Miller e outros escritores são apontados como pelo menos parcialmente responsáveis pelo que obtivemos, nas últimas décadas, em matéria de desmistificação do sexo e maior liberdade sexual.

Miller vai além dos mais avançados defensores do amor livre. Precisamos de sexo livre porque precisamos de amor - dizem estes. Precisamos de sexo livre simplesmente porque precisamos de sexo - afirma Miller. O sexo não é uma expressão do amor que deveria vir acompanhada por ele. O sexo já é amor e só deixa de sê-lo quando se acredita que se possa fazê-lo sem estar implicitamente amando. Por isso, para Miller, só há um mal maior do que a ausência de amor no sexo, que é simplesmente a pura ausência de sexo.

Mesmo depois da vitoriosa revolução sexual, como acreditam Miller e muitos de nós, seus livros permanecem na vanguarda de uma batalha mais profunda, sustentada por todos aqueles que defendem o instinto contra as instituições emasculadoras de nossa civilização. Para Miller e outros escritores que o seguem, neste particular, como Norman Mailer, por exemplo, só seremos integralmente humanos quando formos integralmente solidários com o animal que há em cada um de nós.

Mas há diferenças entre esses autores. Se Miller tem uma visão realista do sexo, pode-se dizer que Lawrence tem uma visão romântica.

Mas o realismo de Miller é paradoxalmente místico, enquanto é o romantismo de Lawrence que avalia, hierarquiza, julga. Eles se completam, de certa maneira.

Talvez por isso Mailer tenha declarado numa entrevista que, como romancista, gostaria de fazer alguma coisa entre D. H. Lawrence e Henry Miller. No fundo, Mailer parece pretender ultrapassar a ambos, com uma visão mais global do fenômeno do sexo, aceitando-lhe a realidade plena (como Miller) mas dando-lhe também peso e medida (como Lawrence).


Von Sacher-Masoch, Sade e o prazer da dor

O largo período histórico que se seguiu a ascenção das classes médias, é dominado, em termos de literatura erótica, por um gigante antecipador, o Marques de Sade, e uma figura menor mas igualmente importante, Leopoldo von Sacher-Masoch, cujos nomes deram origem aos termos sadismo e masoquismo.

Muito antes de Freud, a obra de Sade define o ser humano pela busca do prazer. Além disso, e antecipando a descoberta freudiana de Tânatos, o princípio da morte, Sade já estabelecia a relação estreita entre o princípio do prazer e o sofrimento físico, esse primeiro ensaio de destruição da vida.

As descobertas de Sade seriam completadas por Masoch, que apontou a maneira pela qual o instinto de destruição pode ser dirigido contra a própria pessoa no desenvolvimento da relação erótica. Com efeito, toda a investigação clínica posterior a Freud demonstrou que o sadismo e o masoquismo são os dois extremos correlatos a que tende todo desejo sexual. Constituem mesmo os pólos essenciais de toda vida erótica, atingidos claramente em suas formas patológicas.